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Olga Tokarczuk e Peter Handke são os dois novos Nobel da Literatura

Escritora e activista polaca receberá o prémio relativo ao ano de 2018, o dramaturgo austríaco é o vencedor de 2019. Olga Tokarczuk é a 15.ª mulher a receber o prémio.

 

A escritora polaca Olga Tokarczuk (n. 1962) e o escritor, dramaturgo e argumentista austríaco Peter Handke (n. 1942) são os dois novos Nobel da Literatura, respectivamente de 2018 e 2019. Ficarão a marcar, na centenária história do mais importante galardão literário do mundo, um momento de profunda renovação da Academia Sueca, a procurar reerguer-se do escândalo de abusos sexuais perpetrados por Jean-Claude Arnault, marido da académica Katarina Frostenson, de quem este teria também sabido por antecipação (e eventualmente usado para efeitos de apostas) os nomes de sete premiados.

 
 

Uma crise que provocou amargas disputas internas e conduziu à saída de vários dos 18 membros vitalícios que estatutariamente compõem a Academia, levando a instituição, incapaz de travar a tempo este processo de desagregação interna, a decidir não atribuir o Nobel da Literatura em 2018, algo que só acontecera durante as duas guerras mundiais. E que levou mesmo um conjunto de intelectuais suecos descontentes a criar uma espécie de Nobel da Literatura alternativo, atribuído no ano passado à escritora francesa de origem guadalupenha Maryse Condé, que o site de apostas britânico Nicer Odds colocava em segundo lugar, logo atrás da poetisa e ensaísta canadiana Anne Carson, entre os autores com maior probabilidade de receberem este ano o Nobel propriamente dito. Afinal, as escolhas recaíram em dois autores europeus.

Os dois novos premiados foram eleitos não apenas por uma Academia Sueca dotada de um novo secretário permanente, o ensaísta e tradutor Mats Malm, e cheia de caras novas, mas também de acordo com novos procedimentos. Se até aqui o grupo de académicos encarregado de analisar as candidaturas – o Comité do Nobel da Literatura – escolhia um conjunto de finalistas, cabendo a decisão final ao plenário, agora o comité, presidido por Andreas Olsson, e integrando ainda os escritores Per Wästberg, Kristina Lugn e Jesper Svenbro, submeteu apenas dois nomes à ratificação da Academia.

 
 

Mas a alteração mais relevante é o facto de o próprio Comité ter sido assessorado este ano por um conjunto de especialistas exteriores à instituição: a romancista Gun-Britt Sundström, o tradutor e ensaísta Kristoffer Leandoer, e os críticos literários Henrik Petersen, Rebecka Kärde e Mikaela Blomqvist, esta última especialista em teatro. O facto de as mulheres estarem em maioria e de vários dos convocados serem bastante jovens – Blomqvist tem 31 anos e Kärde apenas 27 – não foi certamente casual. “Tínhamos uma perspectiva mais eurocêntrica da literatura e agora estamos a olhar para o mundo inteiro. Antes era algo muito mais orientado para o masculino. Agora temos tantas escritoras que são tão boas, por isso esperamos que o prémio (…) seja muito mais amplo no seu alcance”, assumira recentemente Anders Olsson ao jornal inglês The Guardian.

Formada em Psicologia, Olga Tokarczuk venceu há um ano o prestigiado Man Booker International Prize com o romance Viagens, entretanto publicado em Portugal pela Cavalo de Ferro. A obra cruza as histórias de várias personagens, como o anatomista holandês do século XVII Philip Verheyen, que descobriu o tendão de Aquiles, um escravo tornado cortesão do século XVIII na Áustria, uma mulher, na era presente, que acompanha o seu marido num cruzeiro às ilhas gregas, ou a emigrante polaca que foi para a Nova Zelândia na adolescência e tem de regressar ao país de origem para envenenar a sua paixão de liceu, doente em fase terminal.​

 

Comentando o romance da escritora polaca, o crítico do Ípsilon, José Riço Direitinho, apontou tratar-se de “uma narrativa feita de digressões, de interrupções, de dispersões, de desarrumação, de escolhas diante de uma bifurcação — parecendo ter por modelo a ideia de viagem contínua, como se a vida (as nossas vidas), fosse uma viagem constante”. De resto, Olga Tokarczuk confessa logo à entrada de Viagens: “Pelos vistos, não herdei o gene que faz com que as pessoas criem raízes quando permanecem muito tempo no mesmo lugar. Já tentei várias vezes, mas as minhas raízes são sempre superficiais e qualquer brisa é capaz de me arrancar à terra. (…). A minha energia provém do movimento — da trepidação dos autocarros, da zoadeira dos aviões, da oscilação dos comboios e dos barcos.”

Após dois anos de tumulto, o Nobel da Literatura quer ser menos “eurocêntrico” e masculino
O vencedor do Nobel da Literatura de 2019, Peter Handke, tem uma obra mais difundida em Portugal, onde estão publicados trabalhos como A Angústia do Guarda-redes antes do Penalti, A Hora da Sensação Verdadeira, Para uma Abordagem da Fadiga, A Mulher Canhota ou Uma Breve Carta para Um Longo Adeus. Colaborador de longa data de Wim Wenders, são seus os argumentos de várias longas-metragens do cineasta alemão, incluindo Movimento em Falso (1975) e As Asas do Desejo (1987). Mas ele próprio se aventurou na realização, tendo-se estreado em 1978 com A Mulher Canhota.

 

Não há um verdadeiro precedente para o que se passou esta quinta-feira, com a Academia a anunciar ao mesmo tempo dois vencedores por não ter atribuído o prémio no ano anterior. Os anos em que o Nobel da Literatura esteve suspenso por causa das guerras (em 1914 e 1918, e depois entre 1940 e 1943) ficaram definitivamente sem premiados. O anúncio simultâneo de dois autores já acontecera, no entanto, por três vezes, mas porque a Academia decidiu, nesses anos, dividir o prémio.

O primeiro empate ocorreu logo em 1904, pouco após o lançamento do prémio, três anos antes, quando este foi conjuntamente atribuído ao poeta e filólogo francês Frédéric Mistral e ao dramaturgo espanhol José Echegaray y Eizaguirre. Em 1917, precedendo o ano “vacante” de 1918, o Nobel foi concedido, ex-aequo, a dois romancistas dinamarqueses: Karl Adolph Gjellerup e Henrik Pontoppidan. O prémio voltou a ser dividido já no pós-guerra, em 1966, para consagrar dois escritores judeus, o ficcionista Shmuel Yosef Agnon, nascido no Império Austro-Húngaro, e a poetisa e dramaturga Nelly Sachs.

 

E mais recentemente, em 1974, foi a vez de dois autores suecos – o ficcionista Eyvind Johnson e o poeta Harry Martinson – dividirem irmãmente o prémio, naquela que foi porventura a escolha processualmente mais polémica, já que Johnson e Martinson não eram apenas compatriotas dos membros da Academia: eles próprios a integravam. E nesse ano até havia alguns favoritos de peso, como Saul Bellow, que viria a receber o Nobel em 1976, ou Vladimir Nabokov, que não chegou a recebê-lo.

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