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Eutanásia. Despenalização passa, referendo não

As vozes a favor de um referendo nacional à despenalização da morte assistida vão-se fazendo ouvir cada vez mais – esta tarde foi a vez do ex-Presidente da República Cavaco Silva reiterar que é a favor, como já o tinha feito em 2018 – mas não é isso que levará a esquerda parlamentar a admitir tal solução.

 

Os partidos que são a favor da eutanásia e têm projetos-lei nesse sentido – PS, PEV, BE e PAN – são todos contra a ideia de referendo. E até o PCP – que se mantém contra a despenalização da morte assistida – é também contra. É uma maioria mais do que suficiente para chumbar tal iniciativa.

 
 

“Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”

De nada valerá portanto ao movimento católico Federação pela Vida dinamizar a petição que propõe ao Parlamento que convoque um referendo com esta pergunta: “Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”.

 
 

A petição já tem mais de dez mil assinaturas (na versão digital) e quatro mil bastam para ser discutida em plenário. Mas daí até ser aprovada vai um passo que não será dado.

O Presidente da República terá três opções, depois da lei aprovada: veto político (devolver a lei à AR); pedir ao Tribunal Constitucional a sua fiscalização preventiva; ou pedir a sua fiscalização sucessiva (a lei entra em vigor e o TC analisa-a depois).

 

Há, contudo, maioria clara, para aprovar desta vez a despenalização da eutanásia (estando em cima da mesa projetos do PSBlocoPANPEV e da Iniciativa Liberal), ao contrário do que aconteceu em 2018. Ou, dito de outra forma: haverá eutanásia aprovada na AR mas não haverá referendo. Mas a entrada em vigor da lei, depois de aprovada, ficará dependente do Presidente da República, que terá três opções: veto político; pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da lei; ou pedir a sua fiscalização sucessiva (a lei entra em vigor e o TC analisa-a depois).

Passos pressiona Rio

Os projetos serão discutidos dia 20 e o PS já fez saber, através de fontes da direção da bancada, que quer levá-los a votos logo nesse dia.

 

Esta tarde, em declarações ao Expresso, o ex-presidente do PSD Pedro Passos Coelho – que é pelo não à eutanásia – classificou de “leviana” a forma como a esquerda pretende legislar sobre a eutanásia, considerando que a petição pró-referendo tem “o mérito” de provocar um “sobressalto cívico” sobre a matéria.

Passos reafirmou – tal como já tinha feito há dois anos num artigo no Observador – que não é um “particular defensor” da realização de referendos sobre este tipo de assuntos. Mas manifestou-se ao mesmo tempo compreensivo com a petição lançada pelos católicos: “Percebo bem que os peticionários estejam inconformados com a ligeireza com que o parlamento se prepara para aprovar a eutanásia”. A petição – disse ainda – tem “o mérito de chamar a atenção para a necessidade de se discutir seriamente o tema e provocar um sobressalto cívico com a forma leviana como a esquerda entende legislar sobre assuntos da maior importância”.

 

“Se um partido se alheia de emitir opinião, então nega a sua razão de ser e coloca sobre os seus representantes uma responsabilidade desproporcionada.”

Ao mesmo tempo, o antigo líder do PSD considerou que o seu partido deveria ter uma posição oficial – a favor ou contra -, o que atualmente não acontece: “Não basta deixar à consciência de cada um” porque “se um partido se alheia de emitir opinião, então nega a sua razão de ser e coloca sobre os seus representantes uma responsabilidade desproporcionada”.

Na manhã de quinta-feira o assunto deverá ser discutido na bancada do PSD. E essa discussão poderá feita à luz do que aconteceu no congresso do partido no fim de semana passado: foi aprovada uma moção setorial defendendo a necessidade de o PSD defender na AR que a eutanásia seja seja sujeita a referendo nacional. O líder do partido, já se sabe, é pela despenalização da morte assistida. Mas na bancada todos terão liberdade de voto.

Quem também se pronunciou foi o ex-Presidente da República.

Falando à Rádio Renascença, Cavaco Silva reiterou que será “um grave erro moral” aprovar a despenalização da eutanásia e defendeu a realização de um referendo.

“Estando em causa a questão da vida ou da morte, apelo a todos a que lutem para que a Assembleia da República ouça a voz do povo através da realização de um referendo.”

Considero a legalização da eutanásia a decisão mais grave para o futuro da nossa sociedade que a Assembleia da República pode tomar. É abrir uma porta a abusos na questão da vida ou da morte de consequências assustadoras“, afirmou Cavaco Silva.

“Estando em causa a questão da vida ou da morte, apelo a todos a que lutem para que a Assembleia da República ouça a voz do povo através da realização de um referendo. É uma decisão tão grave que deve ser amplamente discutida e explicada antes de ser decidida”, defendeu Cavaco Silva.

Chega também quer referendo

No Parlamento, as posições pró-referendo só têm apoio num único partido: o Chega.

Num comunicado, o deputado único do partido, André Ventura, defendeu que a última palavra “cabe aos portugueses e não a um grupo de deputados”.

“Tendo em conta a existência de uma maioria parlamentar que se prepara para aprovar a referida despenalização, o Chega defende que, nesse caso, o tema deve ser alvo de debate público com recurso a um referendo, algo que, aliás, várias personalidades e instituições da sociedade portuguesa também já defenderam”

“Tendo em conta a existência de uma maioria parlamentar que se prepara para aprovar a referida despenalização, o Chega defende que, nesse caso, o tema deve ser alvo de debate público com recurso a um referendo, algo que, aliás, várias personalidades e instituições da sociedade portuguesa também já defenderam”, afirmou o deputado.

Envolvido já na sua campanha como candidato a Presidente da República, Ventura aproveitou também para pôr pressão em Marcelo Rebelo de Sousa. Era “conhecer a posição do senhor Presidente da República” porque “quando era líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa foi a favor da realização do referendo para a despenalização da interrupção voluntária da gravidez”. E, como “representante de todos os portugueses”, o Presidente da República “deve exigir que a sua opinião seja, não só ouvida, como respeitada”.

Esta tarde a Assembleia começou a discutir o assunto, por via de uma declaração política do CDS-PP.

“Um Estado que não garante a 100% acesso aos cuidados paliativos é um Estado que se demitiu de construir um contrato social de cuidar dos cidadãos até fim da sua vida e que admite que não é capaz de o fazer, oferecendo uma via aparentemente mais humanizante, mas profundamente desumanizadora”, considerou a deputada Ana Rita Bessa.

“Perante um sofrimento sem alívio, em solidão, sem cuidados nem cuidador, a eutanásia será uma limitação e não uma ampliação de escolha. Será, por omissão, empurrar as pessoas e as suas famílias para vivências evitáveis, escolhas afinal desumanas sob a capa da humanização.”

“Perante um sofrimento sem alívio, em solidão, sem cuidados nem cuidador, a eutanásia será uma limitação e não uma ampliação de escolha. Será, por omissão, empurrar as pessoas e as suas famílias para vivências evitáveis, escolhas afinal desumanas sob a capa da humanização”, afirmou.

Minutos depois, António Filipe, do PCP, que vai voltar a votar contra, como em 2018, também apontou o dedo ao Estado.

Um Estado que “não garante cuidados paliativos às pessoas”, “não garante as condições para que as pessoas possam ter uma situação de conforto, de não sofrimento no seu fim de vida” é “o mesmo Estado que vai garantir as condições legais para que as pessoas possam pedir ao Estado que as ajude a morrer?”, afirmou, em tom de pergunta.

“Estamos a discutir a dignidade do Estado perante esta questão, que é a assunção das suas responsabilidades nos cuidados que deve prestar às pessoas em fim de vida.”

Para o deputado comunista, o debate, hoje, como no dia 20, não é sobre “a dignidade das pessoas”: “Estamos a discutir a dignidade do Estado perante esta questão, que é a assunção das suas responsabilidades nos cuidados que deve prestar às pessoas em fim de vida.”

A primeira pergunta foi do deputado do PAN André Silva, autor de um projeto de lei, que lembrou palavras de Cecília Meireles, líder parlamentar centrista, por ter criticado o “excesso de intervenção do Estado” em matéria fiscal, em contraponto com o que diz agora o CDS sobre eutanásia.

De seguida, Pedro Bacelar Vasconcelos, do PS, afirmou que o que está em causa no debate de dia 20 de fevereiro não é “nem a eutanásia, que continuará prevista e punida, sem que ninguém pretenda apagar a proibição”, nem os “cuidados paliativos, que tem consenso” no parlamento.

O que está em causa, sublinhou, é “uma medida que visa exclusivamente proteger e reforçar a liberdade e a dignidade humana” no momento da morte.

José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, tentou recentrar a discussão ao dizer que o que está em causa é saber se os deputados “estão ou não disponíveis para dar uma resposta positiva às pessoas que conscientemente não querem ter um fim de vida mergulhado em agonia” ou se é possível “alargar o espaço de tolerância em Portugal”.

IN: Diário de Noticias

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