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Partidos aprovaram bónus de milhões em segredo

Terça-feira, 19 de Dezembro: o Presidente da República recebe em Belém os cumprimentos de boas festas da Assembleia da República, com delegações de todos os grupos parlamentares e da Mesa presidida por Ferro Rodrigues. A sessão decorreu à hora do almoço, pouco depois da conferência de líderes em que os deputados tinham decidido alterar a agenda do Parlamento de sexta-feira, dia 21, para discutir, votar e aprovar de uma só vez um projecto de lei, que aliás ainda não tinha dado entrada, “com alterações cirúrgicas” a quatro leis “tendo em conta a urgência da sua aprovação.”

 

 
 

Foi nestas “alterações cirúrgicas” a mais de quatro dezenas de artigos que, à boleia de dar resposta a algumas preocupações do presidente do Tribunal Constitucional, os partidos decidiram acabar com os limites para angariação de fundos e garantir para si próprios a devolução total do IVA pago nas suas actividades. Mas disto ninguém disse uma palavra ao Presidente da República.

PCP diz que alterações à lei do financiamento dos partidos são “insuficientes”

 
 

O assunto estava a ser trabalhado desde Março no Parlamento no âmbito de um grupo de trabalho – o mesmo é dizer à porta fechada -, que decorreu sempre sem qualquer publicidade, nem no site, nem em reuniões ou discussões públicas. Aliás, nesse dia 19 ainda nem o presidente da Assembleia da República conhecia (pelo menos oficialmente) o diploma que seria aprovado dois dias depois.

No almoço de Natal em Belém, nenhum dos presentes referiu a Marcelo Rebelo de Sousa a alteração legislativa que estavam a preparar. Nem mesmo a delegação do CDS, encabeçada por Assunção Cristas, que se reuniu com o chefe de Estado na sexta-feira seguinte, se referiu ao assunto nesse encontro, apurou o PÚBLICO. Nesse mesmo dia, a lei acabara de ser aprovada por larga maioria – PSD, PS, PCP, BE e PEV -, apenas com os votos contra do CDS e do PAN.

 


O Presidente da República foi, pois, apanhado de surpresa. Nesse dia o diploma chegou a Belém e começou a contar o prazo de oito dias para os pedidos de fiscalização preventiva da constitucionalidade, que se esgota na próxima sexta, dia 30. Mas que não é um poder exclusivo do chefe de Estado. E foi isso mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa quis sinalizar na nota que fez publicar nesta quinta-feira no site da Presidência, na qual sublinha que o primeiro-ministro e um quinto dos deputados em funções “têm o direito de requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto”.

Nesta altura já a polémica tinha estalado na comunicação social e Marcelo já tinha dito que iria proceder à análise do assunto. Na nota, lembra que se trata de uma lei orgânica e como tal “um diploma sobre o qual o Presidente da República não se pode pronunciar antes de decorridos oito dias após a sua recepção”.

 

A referência de Marcelo a António Costa soava a desafio. Ou a recomendação: seria melhor que alguém pedisse a fiscalização da lei antes que se esgotasse o prazo para uma decisão presidencial. Que pode ser uma de três: o envio do diploma para o Tribunal Constitucional (TC) até sexta-feira, e depois disso o veto político ou a promulgação, esta última pouco provável depois desta nota.

Foi preciso esperar até à hora do jantar para se saber que o primeiro-ministro não aceitava o repto. Pelo contrário, devolvia a batata quente a Belém, naquilo que se arrisca tornar-se numa nova tensão entre Belém e S. Bento. Fonte do gabinete do chefe de Governo adiantou ao PÚBLICO que António Costa “não tenciona envolver-se nesta questão, nem sequer prestar declarações sobre o assunto, por considerar que este é o momento do Presidente se pronunciar”. Além disso, justifica a mesma fonte, “o processo foi suscitado no e pelo Parlamento”, e não pelo Governo.

 

Pelo meio, também ficou claro que não haveria um pedido de fiscalização preventiva pelo Parlamento. Se não era crível que os partidos que aprovaram a lei o fizessem, também não era possível que CDS e o PAN avançassem, porque juntos não somam os 43 deputados necessários para o fazer.

Durante o dia, as reacções à polémica e à nota presidencial sucederam-se em catadupa. O CDS pediu ao Presidente que vete o diploma – tal como fez a Transparência e Integridade Associação Cívica (TIAC) – e anunciou que irá apresentar uma proposta de revogação da lei. O BE colocou-se à margem dos restantes partidos que aprovaram a lei, dizendo que estava disponível para ajudar a “melhorar a lei” e não subscrevendo o comunicado dos coordenadores do grupo de trabalho em que sublinham que da lei aprovada “não resulta nenhum aumento de subvenção estatal ou quaisquer encargos públicos adicionais para com os partidos políticos”.

Até a Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos (ECFP), organismo que até agora coadjuvava o TC na fiscalização do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais e agora fica com plenos poderes para apreciar as ilegalidades e irregularidades, mover processos e aplicar coimas, veio a terreiro criticar o diploma, alertando para o facto de lhe serem retirados poderes, em especial um que é decisivo para a eficácia do seu trabalho.

Numa nota enviada ao PÚBLICO, a ECFP revela ver com “grande apreensão” a revogação de uma norma que lhe “atribui competência regulamentar, decisiva para a normalização de procedimentos relativos à apresentação de despesas pelos partidos políticos e campanhas eleitorais”. Trata-se do artigo 10.º da sua lei orgânica em vigor no âmbito do qual a Entidade fez publicar, em Janeiro de 2013, um regulamento que uniformizou a forma como têm de ser apresentadas as contas dos partidos e das campanhas eleitorais, o que evita que cada partido ou mandatário de campanha apresente as contas de forma diferente, dificultando sobremaneira a respectiva análise.

Em resposta a perguntas feitas pelo PÚBLICO, a estrutura diz ainda que “o extraordinário aumento de competências que a lei recentemente aprovada pela Assembleia da República lhe confere tem de ser necessariamente acompanhada de um significativo reforço dos seus meios materiais e humanos”. E opta por não comentar as alterações feitas em matéria de financiamento dos partidos, em particular as que se referem aos limites do financiamento partidário e à isenção do IVA.

A pouco mais de duas semanas das eleições internas no PSD, os dois candidatos a líder revelaram também terem reservas às soluções adoptadas no texto aprovado com a aprovação do seu partido. Tanto Rui Rio como Pedro Santana Lopes criticaram alguns aspectos da lei, em particular a isenção total do IVA para os partidos, o que pode abrir caminho a uma mudança de posição da maior bancada parlamentar caso a lei volte a ser apreciada no Parlamento (na sequência de um veto presidencial ou da proposta de revogação do CDS).

As oito mudanças introduzidas pela nova lei do financiamento dos partidos
“Se um partido tiver um bar e vender cerveja isso tem isenção de IVA e não tem nada a ver com actividade política”, exemplificou Rui Rio, para criticar a isenção do IVA aos partidos. Mas já não considera tão grave o fim do tecto para as doações recebidas pelos partidos, desde que se mantenha o limite às doações individuais.

Já Santana Lopes se mostrou estupefacto com a posição do PSD, mas também se referiu apenas expressamente à isenção do IVA. “É incompreensível para o povo português” haver maior alívio fiscal ou benesses nesse campo aos partidos políticos, disse, defendendo que o “Estado deve ter uma presença” nos partidos, embora residual. Hoje é o financiamento privado que é residual.

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